quarta-feira, 28 de maio de 2008

Cuidado que o maçom te pega

Quando eu estava com o Padre Voador, desesperados no meio do ciclone, tentamos em vão pedir socorro. A bateria do rádio estava fraca e havia muita interferência. Chegamos até a captar uma conversa cruzada, transmitida sabe-se lá em que freqüência, porque o padre operava o rádio mal e porcamente e os meus parcos conhecimentos de eletrônica perderam-se nas brumas do tempo. Não faço idéia do que se tratava, mas transcrevo como me lembro.
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Primeira Voz: Lembra que eu te disse que o arquivo com os dados pessoais do Golden Clock foi deletado? Fui investigar e descobri que ele foi criado pelos tios-avós e casou com uma louca. Os velhos trancaram os dois numa masmorra durante anos.
Segunda Voz: Ok, mas nós já sabíamos que ele é esquisito.
Primeira Voz: Tem mais. Você está preparado? Ele é maçom.
(O outro engole em seco.)
Segunda Voz: Está explicado. Nunca entendi como aquele incompetente, fofoqueiro, desonesto e... feio conseguiu entrar pra Liga da Justiça, porque aquele papinho de salvar o universo da corrupção não cola. Só podia ser influência e politicagem.
Primeira Voz: Sim, encontrei fortes indícios de que o concurso pra Liga foi fraudado!
Segunda Voz: Quais serão as verdadeiras intenções dele? Você está sabendo daquele Encontro Interplanetário Contra a Corrupção, organizado pela entidade maçônica Grande Oriente de Nova Helvétia, com o apoio da Liga? Está marcado para breve, acho que algo muito terrível acontecerá. Eles distribuirão gibis pra toda a população, falando do problema da corrupção. Deve ter alguma mensagem subliminar.
Primeira Voz: Quem está à frente disso?
Segunda Voz: Só gente graúda. Aquele que foi Presidente, pai de um que estudou contigo, e a Associação dos Magníficos. Parece que Peter Fashion vai representar os Magníficos e o Professor Egrégio, o Grande Oriente.
Primeira Voz: Heeeeeeein? Mas não deveriam ser os maçons o alvo da campanha anti-corrupção? E o Professor Egrégio é o "Grão Mestre" do "Grande Oriente". Que diabo é isso? (interferência)
Segunda Voz: A pergunta, Deyse, é por que ninguém foi representar o Pequeno Oriente? Que discriminação absurda é essa contra os pequenos? Eu, se fosse da Liga, não daria gibi pra eles...
(Entra uma terceira voz.)
Terceira Voz: E aí os pequenos são forçados a migrar para o Oriente... Médio. E dá no que dá. Ou seja, a culpa de tudo o que acontece no mundo é dos maçons. Mas isso vocês já sabiam. Continuo com a minha opinião sobre eles: medo...
Primeira Voz: Meeeeeeedo total! E o que é Grão Mestre? Os novinhos serão Brotos? Agora, minha opinião sobre maçonaria é a mesma de vocês, e por isso mesmo fico muitíssimo surpresa da Liga da Justiça fazer um convênio ou sei-lá-o-quê com lojas maçônicas. Mas que raio é isso? Isso era pra ser uma instituição heróica séria, não um chá de comadres ou um centro de feitiçaria! Eeei, você estava ouvindo a nossa conversa?
Terceira Voz: Entrei na freqüência de vocês por acaso, os sinais estão todos bagunçados por causa do ciclone.
Primeira Voz: Fiquei preocupada agora. A essa hora o Golden Clock deve estar aí na Torre Gêmea, fingindo que trabalha quando na verdade está pesquisando na internet sobre maçonaria e fazendo “contatos” por telefone. Será que ele também não está nos ouvindo? Ele cuida da vida de todo mundo e ainda não sabemos quais são os seus verdadeiros planos. Serão diabólicos?
Segunda Voz: Talvez sejam maquiavélicos.
Primeira Voz: Não, isso não. Eu fiz parte dos Maquiavélicos e ele nunca teve acesso aos nossos projetos, posso garantir.
Segunda Voz: Tem certeza, Deyse?
Primeira Voz: Não fale o meu nome, os maçons podem nos descobrir. E eu ainda não contei pra vocês o mais terrível.
Segunda e Terceira Vozes: O que é?
Primeira Voz: Ele foi escoteiro.
(Breve silêncio.)
Segunda e Terceira Vozes: Huahuahuahuahua...
(Longa pausa pra se recomporem.)
Primeira Voz: Como o perfil indica, ele é machista, homofóbico, racista e elitista. Também acredita que existe hierarquia em tudo, e que o mundo hoje está perdido porque os filhos não chamam mais os pais de senhor e senhora.
Terceira Voz: Você tem razão em ficar preocupada. Outro dia, um desconhecido, morador de Orange City, olhou o meu Orkut. Vejam o que dizia o perfil dele: “Cinco coisas sem as quais não consigo viver: Minha mulher, minha família, meus amigos, meu carro e a proteção do Pai Eterno.” Esse deve ter sido escoteiro também! Aliás, quem que é escoteiro? Pra quê que serve um escoteiro?
Primeira Voz: Orange City? Entrou no seu Orkut? Isso não deve ser coincidência, os maçons devem ter sido acionados pra nos destruir, depois que olhamos feio pro Golden Clock quando ele assinou um cheque e colocou três pontinhos do lado. Minha mulher e meu carro? Mesma categoria: a de propriedades inanimadas. Proteção do pai eterno? Isso eu não consigo comentar. Escoteiros, ex-militares e maçons servem pra uma coisa só: atrapalhar a missão!
Segunda Voz: Vai um adesivo da maçonaria aí? 10 por apenas R$ 19,90! Links patrocinados...
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E aqui perdemos o sinal. Esqueci do assunto. Tempos depois, em um restaurante, ouvi a seguinte conversa, que me fez lembrar do ocorrido. O cliente era um senhor simpático de barba branca. O garçom usava um relógio de ouro, que não condizia com o salário minguado que certamente ganhava.
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Garçom (que rima com maçom): Gostaria de fazer o pedido?
Cliente (que rima com oriente): Eu quero uma Oriente, metade 4 queijos, metade tomate seco com rúcula.
Garçom: Oriente média ou grande?
Cliente: Não tem pequena?
Garçom: Não, só broto.
Cliente: Como não tem pequena? E a média é o mediano entre o quê? Eu vou embora deste restaurante.

Tenho medo

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Casca dura, bicho mole

NOTA DE FALECIMENTO (16.08.2003)
Familiares e amigos da ilustre tartaruga CIRO FLAMARION CARDOSO com pesar comunicam o seu falecimento neste sábado, dia 16 de agosto, de falência múltipla dos órgãos tartaruguísticos, com um ano e meio de idade.
Ciro Flamarion, a tartaruga, há alguns dias (646, exatamente...) não vinha fazendo nada além de comer e dormir. Neste fim de semana, ao tomar consciência do estado de saúde de seu colega e mentor Charles Bronson, sofreu uma síncope fatal. Morreu como sempre viveu: dormindo.
Ciro, tartaruga de influências marxistas, foi jornalista, poeta e pintor. Comeu seus primeiros camarõezinhos aos 2 dias de idade e mordeu meu dedão no quarto dia. Em seu testamento, legou a este que vos fala toda a sua coleção de pedrinhas do aquaterrário, 150g de camarõezinhos asiáticos defumados, seus CD´s do Frank Sinatra e uma foto autografada do Flipper. Solteiro, não deixou filhotinhos.
Seu enterro será neste sábado, no quintal de minha casa, segundo pé de roseira à esquerda, entre o pé de tamarindo e a maria-sem-vergonha.
Suas últimas palavras foram: "Mais luz! Mais luz!"
CIRO FLAMARION CARDOSO (a tartaruga...)
Enfim, fóssil...
+16/08/03
Saudades...
F., desconsolado (schuif...)
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NOTA DE NASCIMENTO (21.06.2004)
É com imenso prazer e satisfação que venho por via desta comunicar-lhes o nascimento de
NICOLAU SEVCENKO, a tartaruga.
Ele nasceu bem, pesando 100g, medindo menos de 10 cm de altura e sua primeira travessura foi morder meu dedão pensando que era camarãozinho. Suas primeiras palavras foram: "gaaf" e "moof", que interpretei como uma representação da História da Literatura e das tensões sociais presentes na Primeira República brasileira. Seu batizado será hoje à tarde em sua residência oficial, o aquaterrário da Granja do Vidro Quebrado, esquina com minha mesinha do computador, seguindo toda vida até minha coleção de gibis, com direito a confabulações degustativas (camarãozinho, ração e alface). Neste momento de júbilo, lembramos do saudoso Ciro Flamarion Cardoso, a tartaruga, falecido em decorrência de pneumonia e falência múltipla dos órgãos no ano que se findou.
Atenciosamente,
Seus pais,
F.M. e L.M.M.
Florianópolis, 21 de Junho de 2004. (veranico, temperatura 21º, umidade relativa do ar: indefinida)
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HOMENAGEM (15.05.2008)
Atualmente Nicolau Sevcenko está vivo e forte e em seu tempo livre (leia-se, quando não está dormindo ou comendo) dedica-se à jardinagem, ao ponto-cruz e ao boxe tailandês.
Aproveito a ocasião para prestar uma singela homenagem ao finado Ciro Flamarion Cardoso, pois amanhã completará 5 anos e 5 meses de sua morte.
F.

Sevcenko ponderando sobre sua nova obra: Literatura como missão ou Minha cabeça não é feita de chocolate, estúpida!

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Diversidade

(Antonieta Marquesine / Gabi Campos)
sua mãe sabe disso?
sabinada
revolta do período imperial
balaiada
produtos baratos em lojas populares
marmelada
de banana
bananada
de goiaba
goiabada
de marmelo
sítio
jabuticaba
borracha
palmito
paulista
côco
leite
nata
tudo vem do pau
e vamos vender picolé
eu empurro e você grita:
Kibon
Kibon de bombom
bom xibom xibom bom bom
cadeia hereditária
evolução
genoma
X
Y
G
engasgou com a bolacha
era passatempo


Qualidade em biscoito

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Muito, muito além do arco-íris e da imaginação

Eu estava indo para Florianópolis, com destino ao casamento da Conciliação. Era outono. 2 de maio. Não estava um “sol” azul lindo. Primeiro, porque era noite. Segundo, porque chovia torrencialmente; os primeiros sinais do anunciado ciclone extra-tropical já nos alcançavam. Era água por todos os lados, o que me fez duvidar se eu estava num ônibus ou num submarino. Uma tormenta gigantesca. Doutor Z, meu amigo querido, estava comigo. De repente os ventos começaram a ficar cada vez mais fortes e eu disse: “Doutor Z, nós vamos voar.” Tudo começou a rodar, rodar, rodar, rodar... Nada mais me lembro.
Perdi momentaneamente os sentidos. Quando abri os olhos, o ônibus estava no olho do ciclone, as pessoas ao meu redor choravam, o povo chorava, entrava muita água por uma das janelas, que alguém quebrou usando aquela marreta vermelha, pensando em fugir. Não vi mais o Doutor Z, mas não me preocupei com sua integridade física, pois ele não é feito de matéria. Tudo continuava a rodar. De repente, uma risada maléfica ecoou, vinda de fora. Olhei pela minha janela, que ainda estava inteira, e vi a Bruxa Magoleste, irmã da Bruxa Má do Leste, que morreu esmagada, e da Bruxa Má do Oeste, aquela que derreteu. Mas ela não nos fez nada, porque estava realmente desorientada.
A força dos ventos acabou quebrando várias janelas e sugando muitos passageiros pra fora, eu entre eles. Fiquei lá, voando e rodando, sem ter onde me agarrar, até que vi uma figura já conhecida da mídia, tentando em vão controlar o seu meio de locomoção: o Padre Voador e seus lendários balões. Na hora não tive tempo de pensar no quanto eu era privilegiado de encontrar o desaparecido religioso, apenas me agarrei a ele, na esperança de que os balões nos dessem alguma estabilidade. Não sei por quanto tempo mais continuamos girando sem rumo. O fato é que fomos lançados pra fora do ciclone, indo pousar às margens de uma estrada de tijolos amarelos. O GPS do padre ainda funcionava, mas como ele não sabia usar, de nada adiantava. Resolvemos explorar o local até encontrar uma solução. Provavelmente o inteligente Homem-de-Lata seria o único capaz de nos ajudar, já que o Mágico não morava em Oz há muitos anos (dizem que cometeu umas falcatruas e foi parar numa prisão dos EUA).
Fomos alertados a não dar confiança pra bichona do Leão, que andava vendendo uns produtos na beira da estrada, sem alvará. Mas não teve jeito. Ele nos abordou, dizendo-se representante de vendas de Vivienne Westwood, e nos oferecendo sapatos de rubi confortabilíssimos, ideais para a longa caminhada por aquela estrada, e combinando com o dourado dos tijolos. Ele tinha também um novo modelo da Prada.
Olhei pra ele com uma cara de Miranda Priestley e falei que eu sabia que era tudo falsificado. Além do quê, a falecida Bruxa Má do Leste comprou o seu modelo exclusivo do designer europeu Stuart Weitzman, com 642 rubis, pela bagatela de 1,5 milhão de euros, na última viagem que fez à Europa. Pena que quase não teve oportunidade de usá-los, pois foi esmagada pela casa da Dorothy. A menina é que fez bom proveito. Será que a herdeira Liza Minelli já os vendeu em algum leilão?
Seguimos aquela estrada interminável, com a mesma paisagem imutável ao redor, que lembrava muito a estrada até São João del Rey, em Minas Gerais. Mas eu sabia que ali não havia nenhum dragão, no máximo aqueles macaquinhos alados que viraram uma praga em toda Oz desde que a bruxa derreteu e ninguém mais deu comida pra eles. Não tinha espantalho que os afugentasse.
Mas o pior era o papo do padre. Ele não era a Mônica, nem astrônomo, geólogo, oceanógrafo ou meteorologista, mas me contava coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar. E eu, que a essa altura já tinha largado totalmente o Lexotan, pensava na utilidade daquele adesivo: “sou feliz porque sou ateu”. E lá, muito além do arco-íris, nunca que eu encontraria a flor alucinógena, exemplar único em poder do Vértice, ou aquelas insuperáveis pílulas, pra me desligar dos problemas. Ou quem sabe o Leão não as contrabandeava também?
Saímos brevemente da estrada para admirar a paisagem no alto de uma colina. Nessa hora, iniciou um terremoto que, dizem, mas não acredito muito nisso, foi sentido em São Paulo. O padre desesperou-se e saltou, achando o ar mais seguro que a terra firme naquele momento, e me levou pelo braço. Esse gesto impensado acabou se revelando providencial, pois conseguimos alçar vôo, empurrados pelo bom e velho vento sul da bruxa boa Glinda.
Mas, sem termos como nos orientar, passaríamos pelos mais estranhos lugares, o que, para o aventureiro padre, era uma grande diversão: os Campos de Gabi, onde se respira poesia concreta; a Granja do Vidro Quebrado, povoada de répteis intelectuais; a Torre Gêmea, onde a Liga da Justiça prepara a luta contra os nefastos maçons; a Terra das Pessoas que Não Terminam as Frases; o Reino das Palavras; a República das Pessoas que Escrevem Assim; a Ilha das Maravilhas e suas não menos maravilhosas circunvizinhanças; o Fim dos Tempos. Não tive escolha a não ser acompanhá-lo.
Não há lugar como o lar.

Mamãe, os meus sapatinhos eram tão novinhos... foi o Charleston!