quarta-feira, 23 de abril de 2008

A caravela amarela - a chegada

Esta parte do relato perdeu-se no mar, mas está sendo resgatada. Aguardem só mais um pouco.
Ogum iê! Salve Jorge!

quarta-feira, 16 de abril de 2008

A caravela amarela - 25 a 31/01/08

PARIS
Bem, para aqueles que ainda não me conhecem eu vou me apresentar. Meu nome é Marco Antonio Doril, parente distante da Aline Dorell, anônimo internacional e tudo e tal. Bem, no ano do Rato eu fui convidado por minha amiga Bia Falcão pra jantar num restaurante chiquérrimo na Champs-Elysées, e eu achei muito estranho porque a comida era deliciosa, como em todo bom restaurante francês, mas Bia nem tocou no prato. Bem, enquanto bebíamos Gardène von Bouche e conversávamos sobre o primeiro mundo e la joie de vivre, eu tinha a impressão de ver roedores entrando e saindo da cozinha, e um chef maluco com um “camindongo” na cabeça fazendo gestos de marionete e ooo ooo ooo isso me fez temer uma leptospirose. Mas atribuí isso aos efeitos deletérios e duradouros das pílulas coloridas.
Bem, aproveitando que estava em Paris, resolvi que era uma ótima oportunidade de complementar meus estudos iniciados em Florianópolis com a Senhora do Tempo, e decidi: vou ao Louvre. Eu sabia que seria uma experiência muito desgastante, especialmente porque meu corpo já mostrava sinais de uma nada elegante gripe européia. Mais tarde, ao ler as manchetes dos jornais e revistas nas bancas, depois de me deter nas notícias mais importantes daqueles dias, as últimas do casal Sarkozy, a prisão do Fábio Assunção e a morte do Heath Ledger, fiquei sabendo que o Brasil estava tomado por uma epidemia de febre amarela. Semanas depois seria a dengue. O que é uma gripe francesa perto disso?
Bem, chegando ao Louvre fui direto me livrar da obrigação de ver a Mona Lisa, e eu não sei como faziam uma progressiva tão boa naquela época. Pena que não temos um retrato da Mona quando era crespa, pra compararmos o antes e o depois. “Arerê arerê a Xuxa faz milagre na TV”, pensei ter ouvido enquanto matutava nessas idéias, mas já deviam ser os primeiros sinais de delírio.
Bem, achei muito mais divertido procurar a Madona das Rochas mas com tanta gente por perto não pude verificar se havia alguma mensagem atrás da tela. Não sei como o Tom Hanks conseguiu. Segui em frente, pois ainda havia muito o que decifrar - o mapa do museu - até encontrar o Código... de Hamurabi! E muitas telas, muitas pessoas “assim”, muitos cachorros de colar, e eu precisava dar um alô ooo ooo para a Marianne, uma grande considerada do meu amigo Pulguento.
Bem, eu me debatia no meio daqueles desgramados japoneses, que tiravam foto mesmo sendo proibido, e cada mergulho era um flash, fui ficando desnorteado, e a última coisa que lembro foi a Vitória de Samotrácia voando em minha direção.
Bem, quando acordei eu estava abraçado à Vênus de Milo. Eu abraçado a ela, não ela a mim, pois como todos sabem ela perdeu os braços. Assim como Maria Antonieta perdeu a cabeça e eu... bem, naquele momento eu não estava me sentindo muito inteiro.
Bem, meu único sábado em Paris eu passei de cama, literalmente. Não me dei conta na época, mas hoje penso que Bia tentou me eliminar, colocando algo em meu vinho, para que eu não revelasse o seu paradeiro pra Interpol. Nos dias seguintes, consegui reunir forças pra dar mais algumas caminhadas, como faço sempre que vou a Paris, descansando nos bancos dos parques enquanto devorava pacotes de madeleines. Encontrei por acaso a Estátua da Liberdade, que veio visitar os parentes (hein? bom, todos sabem que ela tem dupla cidadania, não preciso explicar mais). E, depois de anos daquela histórica viagem faediana a São Paulo, fui no Museu Rodin ver a versão original e oficial d'O Pensador e d'A Porta do Inferno, completando um ciclo de contemplação que começou há seis anos.
Bem, é claro que deixei o “ponto alto” por último. Subi na Torre Eiffel um pouco antes do anoitecer, o que me permitiu contemplar a cidade em vários tons de luz. Hoje, com o meu novo vocabulário, só posso descrever Paris de uma forma: é MARA!
Bem, já recuperado comprei autênticos souvenirs e mandei içar velas para zarpar rumo à Terra de Santa Cruz, pois o bloqueio continental estava apertando e a esquadra inglesa se comprometeu a me escoltar.
Au revoir, Napoleão!

O cofrinho da Vênus: não tem preço

quarta-feira, 9 de abril de 2008

A caravela amarela - 20 a 24/01/2008

BRUGES - PARIS
Allons enfants de la Patrie, le jour de gloire est arrivé! Assim cantava, a plenos pulmões, quando em pequena, a minha velha amiga (não ouso dizer amiga velha) Antonieta Marquesine, educada nos melhores colégios de Paris, difusora da francofonia e patronesse das artes. Como ela não vem à Europa há anos (por razões que me proibiu expressamente de dizer, mas que não é segredo pra ninguém: ela está falida), Antonieta fez questão de elaborar o meu roteiro e listar tudo o que eu não poderia deixar de fazer na cidade mais visitada do mundo. Claro que, para se atualizar, ela consultou o livro da história da arte do Professor Doutor Aderbal Jurema, da Universidade de São Carlos, obra de referência pra entender o ambiente das artes. Mas fingi não perceber, pra não magoá-la.
O fato é que eu, como estudioso das artes, precisava me aperfeiçoar, precisava ir até a Europa, porque não seria a Europa que viria até a mim. E por isso eu fui a Paris. Logo no primeiro dia, após cruzar com uma banda de jazz numa ponte, segui o curso do Sena (ou seria na direção contrária?), rumo ao centro da civilização. À minha esquerda, a Torre Eiffel assomava à distância, a princípio tão pequenina e discreta que me fez pensar: só isso? Quando me dei conta de que ia alcançá-la muito rápido, tomei outro caminho, rumo ao Jardim das Tuilleries, que desemboca na avenida Champs-Elysées. Sentindo-me chique só de pisar naquela rua, parei pra descansar e, quem eu vejo degustando um scargot, bebendo um pignot noir, elegante em seu tailleur, e despreocupada de tudo? Bia Falcão, há tempos foragida da Justiça brasileira, que conheci certa ocasião na casa de Antonieta.
Muito antipática, como era de se esperar, fingiu não me conhecer, mas eu fui insistente. Bia confessou que tem vivido como uma típica parisiense, em meio ao refinamento e ao glamour. Infelizmente, Mateus a trocara por outra mulher mais rica, que conheceram em um passeio no Bateau Mouche (não tinha afundado? e a Yara Amaral?). Ela disse que qualquer hora mandaria executá-lo, assim que conseguisse contato com o irmão gêmeo do falecido Medeeeiros, um que tem muita testosterona. Depois, displicentemente, pediu um café, pôs seu pince-nez e abriu o exemplar dominical do Le Monde, ignorando-me. Mais tarde, Bia me acompanhou até o Arco do Triunfo e indicou o caminho até a Torre, pois já ia se retirar, tinha um show pra assistir no Olympia naquela noite. Um carro parou e o chofeur veio abrir-lhe a porta.
Como aqueles belos prédios em art déco (ou seria art nouveau? sei que não tem comparação, mas nem o professor Aderbal Jurema me esclareceu isso) encobriam a Torre, não me dei conta da sua aproximação. De repente, ouço uma manifestação em espanhol. Ao me aproximar, eis que surgem, ao mesmo tempo, um grupo de bolivianos lutando pelos direitos humanos e agradecendo o presidente e companheiro Evo Morales (?!) e, ao fundo, a Torre Eiffel, em todo o seu esplendor. Em que continente eu estava mesmo? Nesse momento entendi por que Bia quis ir pra casa.
A Torre não é um objeto físico, é uma aparição. É onipresente. Em qualquer canto da cidade, quando menos se espera, ela surge, uma das mais belas construções humanas, e possivelmente o maior objeto fálico do planeta. Esses franceses...
Naquela noite, mesmo estando esgotado, acordei de madrugada para cumprir uma tradição de dez anos: ligar pra desejar feliz aniversário para A da Perninha, no horário exato em que ela nasceu. Nada tão surpreendente se, para respeitar o horário tradicional de 00:30h, horário brasileiro de verão, eu não tivesse que acordar às 03:30h, e ir pra um telefone público na rua, em Paris! Mas eu jamais perco a piada. Como ela mesma disse: “Mon Dieu!”
Esse dia, 21 de janeiro, poucos sabem, é o Dia Mundial da Religião. Sempre muito apegado às datas, busquei uma experiência espiritual, e fui ao lugar “donde que véve os mortos”, ou pelo menos ao local mais perto disso onde pretendo chegar: o cemitério de Père Lachaise, o lugar onde residem os espíritos mais intelectuais, finos e virtuoses do outro mundo: Bizet, Rossini, Chopin, Balzac, Fernand Braudel (aquele da Escola dos “Anais”), Augusto Comte (com uma plaquinha lembrando a conhecidíssima Igreja Positivista do Brasil), Saint Simon, Molière, La Fontaine, Jim Morrison (this is the end), Hahne Mann (o criador da homeopatia, sabiam disso? nem eu), Eugène Delacroix, Marcel Proust, Oscar Wilde (todo espontaneamente pichado pelos fãs, com uma plaquinha proibindo destruir o patrimônio!), Sarah Bernhardt (que fez participação no livro do Jô), o disputadíssimo e florido túmulo de Allan Kardec. Juro que passei mais de meia hora procurando Pierre Bourdieu, em homenagem ao meu amigo Pulguento, seu fã de longa data, mas não o encontrei. Mas quem exercia realmente um poder simbólico sobre mim e, claro, deixei por último, foi la môme Edith Piaf.
Não tive tempo pra conversar com eles, quem sabe numa próxima oportunidade, na companhia do Dr. Z. Mas saí de lá mais sábio. Completei o tour num outro dia, visitando o Panteão e os jazigos de Victor Hugo, Emile Zola, Alexandre Dumas, Voltaire, Rousseau, um punhado de revolucionários, e uma singela placa em homenagem ao Zé Perri, velho conhecido dos manezinhos, cujo corpo nunca foi encontrado.
Ainda naquele dia, fui do sagrado ao profano em poucos minutos de caminhada. Da Basílica de Sacré Cœur às ruas boêmias de Montmartre, onde passei por uma prostituta na esquina entregando o seu cartão (!), e parei pra contemplar o mais legal de todos os moinhos, e que não fica na Holanda: o Moulin Rouge. E viva o poder aquisitivo (que eu não tenho). Uma fila enorme pra show e jantar pela bagatela de € 145 (a opção mais barata).
Senti falta da Professora Daniela, minha companheira de aventuras, sempre em busca de uma experiência estética. E também de várias amigas faedianas, sempre em busca de uma igreja. Prestei-lhes uma homenagem assistindo a uma missa na Catedral de Notre-Dame. Foi a primeira vez que desejei a paz de Cristo em francês. Depois, penitenciei-me de meus pecados cometidos e por cometer, subindo os incontáveis degraus da torre da catedral. Ainda bem que o Corcunda era um personagem de ficção, não sei como o infeliz teria sobrevivido a uma vida daquelas.
Desci com sede de champagne e fome de brioches, que só satisfiz metaforicamente num outro dia. Depois de tomar um trem na direção errada, finalmente cheguei em Versailles, onde Luís XVI fez construir um palácio modesto, na medida das suas posses, e um puxadinho pra sua esposa fazer trabalhos de jardinagem ou ler à luz do abat-jour. Na verdade, o complexo de Versailles e seu jardim são de uma beleza indescritível, tanto que inspiraram os pais de Antonieta Marquesine a escolher o seu nome, nome de rainha, sofisticada, excêntrica e dada a algumas loucuras, que continuam inspirando seus discípulos, no caso, eu. Porque aprendi com ela que não é Montparnasse, nem a Sorbonne, nem tão pouco Versailles que virão até Florianópolis.
Eta eta eta! É a lua, é o Rei Sol, é a luz de Tieta!

Y ahora estoy aquí

quarta-feira, 2 de abril de 2008

A caravela amarela - 14 a 19/01/2008

BRUXELAS - GHENT - BRUGES
A pessoa viaja à base de xarope da felicidade e pílulas de arco-íris. Passa por Amsterdam, terra de todas as drogas - lícitas, ilícitas e explícitas -, e depois vai pra Bélgica, lar de umas criaturinhas azuis que vivem em cogumelos... cogumelos! Alguém ainda estranha o post anterior? Isso porque não fui no verão e não peguei o festival dos schtroumpfs. Sim, é esse o nome deles por lá.
Para quem não sabe, aquele desenho que todos assistimos infalivelmente nos anos 80 é norte-americano, mas os personagens são clássicos da Belgica, abaixo apenas do Tintin, que é onipresente. E quem não se conforma em não lembrar da música não deve se preocupar com perda de memória. Ela não tocava no desenho. Só os poucos privilegiados que tinham o LP (lembram disso?) dos smurfs a conhecem. Bom, eu tinha mesmo era a fita cassete, porque eu era pooobre (é impressionante como todos eram muito pobres na infância, falarei sobre isso no futuro).
O fato é que cheguei em Bruxelas, a auto-intitulada “capital da Europa”, por ser a sede do Parlamento Europeu, num domingo à tarde. Pela primeira vez errei feio na interpretação do mapa e fiquei dando voltas e mais voltas com a mochila nas costas procurando o albergue. Mas isso me deu o prazer de circular pela Grand Place numa tarde de domingo. Victor Hugo estava certíssimo quando disse que é a praça mais linda do mundo. Bom, eu não conheço muitas, mas isso não deve estar muito longe da verdade.
Bruxelas é muito grande, ainda que as principais atrações se concentrem num espaço reduzido. A Avó da Neta, se fosse lá, certamente ficaria deslumbrada e diria, “Eu nunca vi tanto 'belgico' junto”. Perdoem a cacofonia. Lá comecei a descobrir que o francês é mais fácil de entender do que eu imaginava e mais difícil de falar do supunha a minha vã pretensão. Mas todos se entendem e você não deixa de comer gaufres de Brusseilles por falta de comunicação. Nada mais são que waffles, cobertos com chocolate, morangos, smurfamoras (hein?) ou o que mais eles inventarem.
O Maneken Pis, do flamengo “menino que mija”, é uma estátua bem sem graça, como o Guia do Viajante Independente na Europa já antecipava. Prefiro a estátua na entrada do meu prédio em Floripa. Em todo caso, se Mamãe Oliveira fosse bruxelense, certamente seria famosa na cidade. Ela, que fazia vestidinhos pro Menino Jesus do Santo Antônio, na Laguna, certamente se especializaria nas roupas típicas que, de tempos em tempos, vestem no pequeno incontinente urinário.
O Atomium é um átomo ampliado não sei quantas vezes, construído para a Exposição Universal de 1958, a mesma para a qual foi construída a Torre Eiffel em 1889. Minha visita foi prejudicada pela chuva. Não vi graça nenhuma e não subi nele. Queria mesmo era ter ido na Mini-Europa, um parque com miniaturas dos pontos turísticos europeus que fica ao lado do Atomium, mas que estava fechado para manutenção naqueles dias invernosos.
A cidade é, verdadeiramente, uma mistura do moderno com o contemporâneo, como diria uma (nem tão) sábia companheira de viagem de tempos atrás, O Anexo da FAED. Você está em meio a uma arquitetura clássica, caminha um pouco e se depara com prédios modernos com efeitos luminosos. Mais encantadora só a grandiosa sede do Parlamento Europeu, um complexo belíssimo, moderno, arrojado, e o único lugar onde você pode ver alguma coisa escrita em português, junto com os outros idiomas da União Européia.
Na última noite, uma sessão de fotos na Grand Place, de vários ângulos, pois me dei conta de que eu não tinha nenhuma foto que eu aparecia naquela cidade. E toca pra Ghent, agora na parte flamenga do país, onde passei um único dia, infelizmente chuvoso. Mas não deixou de valer a pena, ao menos pela visita a um castelo medieval, com direito a instrumentos de tortura, guilhotina, armaduras, espadas (gigantescas e pesadíssimas, não sei como erguiam aquilo). Ghent é tida como uma das cidades medievais mais bem preservadas da Europa, e o título é merecido. Tanto quanto Bruges, cujo albergue estava tão vazio que cheguei a passar uma noite sozinho no quarto.
Bruges é chamada de Veneza do norte, ou Veneza belga, mas eu sinceramente não vi tantos canais assim, e achei um grande exagero, embora a cidade seja linda. Na primeira noite me enchi de batata frita com um molho que achei que ia me dar piriri, o que felizmente não aconteceu. Entre a torre com degraus intermináveis e uma seqüência de moinhos à beira do rio (vi mais moinhos juntos ali do que na Holanda), descobri a réplica da Igreja do Santo Sepulcro de Jerusalém. Como não tenho nenhuma vontade de ir até Israel, achei melhor entrar de uma vez. Não conferi no Google, mas acho que é igual mesmo, a não ser pelas inscrições em holandês.
Não tive nenhuma experiência sobrenatural naquele sábado. Não vi o anjo do Senhor nem as Marias na saída do túmulo. Mas o dia seguinte certamente seria um dia de glória, pois eu iria para... Paris!
Seguindo pela floresta até encontrar o Velho Carvalho!

Era só o que faltava no meu roteiro