LONDRES Permitam-se discordar, em parte, de Woody Allen. Deus está morto, Marx está morto, mas eu... eu nunca me senti tão bem e com tanta disposição. Não sei se era obra do clima londrino, do protetor solar natural que era aquela película cinza nos céus, dos breakfasts caprichados ou dos efeitos duradouros daquelas substâncias consumidas antes da partida. O fato é que, após três dias batendo muita perna nas ruas e nos museus – a maioria gratuitos, para felicidade geral das nações em desenvolvimento -, acordei com preguiça. Fazer o quê? Ora, em Londres, faça como os londrinos: passe uma manhã ensolarada de sábado em Hampstead Park, um parque lindíssimo num bairro chique e afastado, com uma bela vista da cidade. Idéia do Claus, que não era o Papai Noel, meu primeiro amigo genuinamente europeu. Valeu como uma ida ao campo, já que não saí da cidade em toda a minha estadia. Senhoras inglesas passeando com seus cachorros ingleses, caçadores de pipas (hein?), folhas secas e lama, muita lama. Mas lama inglesa é chique. Era uma vez um par de tênis brancos de um belga. O brasileiro aqui usava calçados mais apropriados - caminho inca serve pra quê, afinal? Para ser perfeito, só faltou a caça à raposa. A lazy day... Depois de praticamente ter que atravessar todo o parque de volta pra achar uma estação de metrô, depois de sabe-se lá quantas baldeações, de nos perdermos mesmo cheios de mapas, de uma caminhada interminável morro acima, passando por um convidativo manicômio, chegamos relaxados, naquela tarde relaxante de sábado, ao Highgate Cemetery. Inevitavelmente lembrei do Doutor Z, que não pôde me acompanhar na viagem. Mesmo desencarnado, tem medo de avião... é uma figura! Fiz vários amigos naquela tarde. Os fantasmas ingleses são, definitivamente, os espíritos mais educados e finos com quem já conversei. Sentados sobre as lápides cobertas de mato e musgo, muito orgulhosos da tranqüilidade do bairro em que moram, silencioso e sem violência(!), contaram várias anedotas e causos dos últimos séculos, que eu ria forçado, por nunca ter ouvido falar de ninguém. Ríamos discretamente, em respeito aos vivos. Chegaram a convidar-me para o chá das 5, que eu declinei educamente, alegando compromissos. Na verdade, eu fiquei com medo do cemitério fechar e eles me segurarem ali pra sempre. Eu hein, Rosa?! Uma típica tarde de sábado londrina, a lazy day... Voltamos ao metrô e entendemos a razão daquelas vozes misteriosas. Uma turista oriental veio correndo pra entrar no vagão. A desgramada da japonesa não apenas quase ficou presa na porta como escorregou feio e quase que vai fazer companhia pros meus amigos. Por mais que avisem, nunca é suficiente. Mind the gap! Como a idéia era a de um dia sem muitos esforços, não fizemos muita coisa mais, que eu resumo rapidamente: caminhada no centro, belga morrendo de frio (não era pra ser eu?), hostel, centro, jantar, hostel, banho (era Europa mas era sábado, faz favor!), balada, belga e brasileiro morrendo de frio (e o metrô de domingo não abria nunca), momento “I have to run” (por causa do frio), café da manhã antes de dormir. Nada além de um lazy day. Imaginem os dias de maior atividade. E depois perguntam por que eu emagreci tanto. No último dia do ano fui ao Museu Britânico. Foi a primeira parte de uma espécie de trilogia passado-presente-futuro, ou presente-passado-presente, como prefere a Professora Alemã, que veio da Alemanha, ya. Múmias, estátuas sem nariz e sem pinto, quinquilharias, tudo roubado dos cinco cantos do mundo (ainda que ele seja redondo). Eles não respeitam os valores. Mal consegui ver a Pedra da Rosetta, com tanta gente em volta. Pra quem não puder ir a Londres, recomendo ir a Laguna, ver a poeira da Roseta. É o que não falta lá. Quer ver quando bate o nordeste... (A pessoa vai pra Europa e se entrega; tá na hora de enterrar o passado mesmo.) Não percam o Show da Virada, logo depois do capítulo inédito de Duas Caras.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
A caravela amarela – 25 a 28/12/2007
LONDRES Senhora Minha Mãe Lilizinha, Hei de contar a nova do achamento destas terras britânicas, que ora nesta navegação se acharam, e não me furtarei de lhe relatar, assim como eu melhor puder, estas belezas e riquezas d'além mar, se assim mo permitirem a Providência e a imigração. Creia bem por certo que registrarei aqui tão somente o que vi, o que imaginei e o que julguei ter visto, em sã ou insana consciência, que é bem dizer, qualquer coisa que me dê nas telhas. No dia do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, verbo feito carne que veio habitar entre os homens, a nau aportou nas terras que, segundo relatos mui antigos, encontram-se sob o governo da imortal rainha Elizabeth II, filha de Cate Blanchet, cujos ancestrais vieram das terras altas mais ao norte, aparentados de Christopher Lambert. Tio Eric Hobsbawm, que viu todas essas coisas, poderá explicar melhor. Chovia, e poucas ocasiões tivemos, durante a longa estada naquelas paragens, de ver o azul do céu. O que não nos chegou a entristecer, pois as precipitações e o acinzentado do firmamento davam um ar deveras sofisticado ao lugar. Os nativos a mim me pareceram pessoas mui religosas, pois numa vila de tão grandes dimensões, poucos se dedicavam ao trabalho naquele dia feriado, e quase não conseguimos deslocar-nos às regiões habitáveis, porque todos os meios de transporte encontravam-se parados. Mas enfim logramos êxito, e chegamos a um bairro com casas de tijolinhos vermelhos, e soubemos que era o sítio certo. Os habitantes do lugar são de todas as espécies e qualidades. A feição deles é serem de uma tonalidade escura, as mulheres usam um adesivo na testa, e são donos de mercadinhos de comida para microondas e outras especiarias, o que muito nos confundiu, pois de há muito que o astrolábio, a bússola e o GPS nos ensinaram o correto caminho para as Índias, e não deveria ser ali. Há também muitas pessoas de olhos puxados, com máquinas fotográficas, e que podem ser vistas por toda parte. Outros são negros, outros morenos e até alguns poucos loiros. De todo modo, são pessoas recatadas, muito ocupadas de cobrir suas vergonhas, e extremamente dóceis. Seu idioma é deveras esquisito, um inglês de pronúncias estranhas; possivelmente não são dados a assistir aos originais e sempre bem elaborados filmes americanos, para se aperfeiçoarem - embora Sua Majestade tenha ganhado um Oscar. De quando em quando ouve-se pelas ruas a língua mátria, que os eternos Camões e Manuelito tanto cantaram em verso e prosa. Fazem tudo ao contrário, como que a pregar uma peça com os visitantes. Invertem a direção dos automóveis, dirigem pelo lado esquerdo, tudo para pegar os estrangeiros no susto, sempre exercitando o sofisticado humor inglês. São educadíssimos e respeitam os sinais de trânsito, mas reprimem um impulso destrutivo de atropelar pedestres mal-educados que atravessam quando o sinal lhes não permite. Tanto apreço nutrem pela pontualidade que decidiram eles mesmos organizar as horas do mundo. E sua principal atração é um relógio sem nome numa torre, o qual, na falta de identidade própria, apropriou-se do nome do sino. Em frente a ele, do outro lado do Tâmisa, a mais simples e graciosa atração, que a nosso modo de ver ofusca os séculos de tradição do Big Ben: London Eye, o olho de Londres, nome perfeito para a encantadora roda-gigante de onde se pode ver boa parte da vila. E, agraciados que fomos por St. Stephen no dia de sua glória, pudemos fazê-lo num dos raros dias de sol inglês. Lojas são muitas; infindas. E em tal maneira convidativas ao consumismo que, querendo-as aproveitar, compra-se nelas tudo, coisa que não fizemos, pois os nativos ficaram com todo o ouro e prata de Potosí e das Gerais, e nossos reais são modestos perto de sua moeda. A bem da verdade, mesmo seus vizinhos mais próximos torcem o nariz para os salgados preços. Para os supersticiosos, é terra povoada de espíritos cautelosos e sobremaneira preocupados com a segurança dos que ainda se encontram entre os vivos, os quais habitam os túneis do metrô. Nós mesmos, ainda que céticos, não cessamos de ouvir, a todo momento, uma voz, ora masculina, ora feminina, advertindo-nos do perigo da morte certa: "Please, mind the gap between the train and the platform. " E nesta maneira, minha mãe, dou-lhe aqui breve relato do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, sei que hás de me perdoar, que o desejo que tinha, de vos tudo dizer, mo fez assim pôr pelo miúdo. Mas hei de escrever mais. Beijo-lhe as mãos e peço-lhe a bênção. Desta Londres, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, nestes últimos dias do ano do centenário de Dercy Gonçalves, Oscar Niemeyer e dona Canô. Dom Marquinho
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008
A caravela amarela - a partida
FLORIANÓPOLIS – SÃO PAULO – LONDRES O Lexotan não faz mais efeito. Por isso resolvi recorrer a outros expedientes para a longa viagem que tinha pela frente, e que me manteriam afastado do blog por algumas semanas. Como a minha amiga Primeira Dama do Banco Central – também conhecida como O Vértice - não estava na cidade para me emprestar a sua flor alucinógena, artefato único e exclusivo comprado em Buenos Aires, resolvi apelar para minha outra amiga, a Delicada, que dispõe de um suprimento vitalício de xarope da felicidade e pílulas de arco-íris, que sempre lhe garantiram disposição, bom-humor e cabelos escovados nas primeiras horas da manhã. Antes de embarcar no aeroporto de Florianópolis, o dilema: eu não arriscaria embarcar com líquidos e medicamentos, fosse pelas restrições do vôo, fosse porque eles certamente eram proibidos no Reino Unido. Preocupação que eu não teria se o meu vôo fosse para Amsterdam. Resolvi tomar tudo ali mesmo, numa dose única, torcendo pra que demorasse a fazer efeito, pois as conseqüências poderiam ser terríveis na fila da imigração. Assim, comecei a virar as pílulas uma por uma, na ordem das cores que aprendi assistindo ao Mundo de Beakman: VLAVAAV, vermelho, laranja etc., ajudado por goles generosos do xarope de felicidade. Mas, com receio de algum efeito colateral – afinal, eram pílulas de arco-íris, que poderiam ter um efeito desviado – não ingeri a pílula anil, que guardei cuidadosamente para uso futuro. Esvaziei o frasco de xarope e tomei o rumo da zoropa. (Neste momento de meu relato, a Desligada se questiona: Mas Buenos Aires não fica na Argentina?) Quem foi que disse que ninguém viaja na noite de Natal e que o vôo estaria praticamente vazio? Depois de ceder meu lugar para um senhor avantajado que queria ir ao lado da mãe, porque é claro que marcaram a minha poltrona para duas pessoas, acomodei-me e deixei Sampa vendo os fogos de Natal (hein?) Depois que serviram o jantar – e agora a resposta à mais incessante das perguntas: não, eles não servem ceia no avião! -, adormeci. Lá pelas tantas acordei, olhei pela janela e, eis que senão quando, deparo-me com aquela figura simpática. Se não era o bom e velhinho Bom Velhinho?! Seguia tranqüilamente em seu trenó suuuper moderno, sem pressa, pois como todos sabem ele dispõe de aparelhos avançadíssimos desconhecidos pela ciência atual, que lhe permitem controlar a passagem do tempo. Ninguém acredita que só os fusos horários e o movimento da Terra seriam suficientes pra um homem daquela idade entregar todos os presentes das crianças boazinhas, né! Era conduzido pelos veadinhos, digo, renas, figuras decorativas que Noel manteve mesmo depois de instalar os jatos auto-propulsores, por ser muito apegado a eles. À frente, Rodolfo ia piscando, todo se querendo. Estou falando da rena do nariz vermelho, claro. Achei um pouco estranho ser o único passageiro que apreciava a companhia daquela figura lendária, o símbolo mais conhecido... da Coca-Cola, embora outras pessoas ainda estivessem acordadas, mas ignorei o assunto, tão maravilhado eu estava. E me decidi a chamar a sua atenção de alguma forma. Mas como? Felizmente, pensei rápido. Passei a mão na minha caderneta comprada no 1,99 da Laguna para as anotações de viagem, e escrevi com a letra maior que pude, torcendo pra que ele, além do vigor físico em sua idade avançada, também enxergasse bem: KIMI. Ao reconhecer o nome do seu conterrâneo mais famoso – depois dele próprio -, abriu um largo sorriso e me perguntou telepaticamente, em inglês, porque ele é poliglota mas não é vidente pra adivinhar que sou brasileiro, se eu gostaria de acompanhá-lo. Numa fração de pensamento, lá estava eu, tele-transportado para o mais monumental veículo já construído, ao ar livre e com controle de temperatura. E pensar que toda essa tecnologia é da Coca-Cola! Logo iniciamos uma longa conversa, mas para meu azar ele só falava de Fórmula 1. Pra que eu fui dar idéia? Depois consegui desviar o assunto para o autorama e outros brinquedos, e aí fiquei mais à vontade. Claus (vejam a intimidade) me ofereceu, adivinhem, uma Coca-Cola, abriu outra e começou a contar vários causos, disse que gosta muito da noite de Natal, não pelo trabalho ou pelas crianças, mas porque pode sair sozinho com seus veadinhos, digo, renas, sem a chata da Mamãe Noel por perto. E assim seguimos. Noel explicava para o Marco coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar. Nessa parte eu comecei a me sentir um pouco entediado e a ver umas luzes coloridas; mas eu achava que eram as outras renas que também estavam piscando. Tive a impressão que Rodolfo não párava de olhar pra trás, para mim. Será que os medicamentos estavam fazendo efeito? Claus percebeu a minha situação e resolveu me tele-transportar de voltar para o avião, mesmo porque ele estava viajando no sentido contrário à rotação da Terra e já estava na hora de seguir seu rumo. Tão rápido quanto antes, vi-me sentado em minha poltrona. Ao meu redor todos dormiam e ouvi em minha mente o Bom Velhinho se despedindo em bom finlandês, pois o meu lapão é péssimo: Hyvaa joulua, hohoho... e disparou feito um foguete por este espaço aéreo internacional de meu Deus. Depois, vi cada vez mais luzes ao meu redor, constelações que mudavam de posição, e ouvia uma música incessante que eu não sabia de onde vinha: We all live in a yellow caravel, yellow caravel, yellow caravel...
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