BRUGES - PARIS
Allons enfants de la Patrie, le jour de gloire est arrivé! Assim cantava, a plenos pulmões, quando em pequena, a minha velha amiga (não ouso dizer amiga velha) Antonieta Marquesine, educada nos melhores colégios de Paris, difusora da francofonia e patronesse das artes. Como ela não vem à Europa há anos (por razões que me proibiu expressamente de dizer, mas que não é segredo pra ninguém: ela está falida), Antonieta fez questão de elaborar o meu roteiro e listar tudo o que eu não poderia deixar de fazer na cidade mais visitada do mundo. Claro que, para se atualizar, ela consultou o livro da história da arte do Professor Doutor Aderbal Jurema, da Universidade de São Carlos, obra de referência pra entender o ambiente das artes. Mas fingi não perceber, pra não magoá-la.
O fato é que eu, como estudioso das artes, precisava me aperfeiçoar, precisava ir até a Europa, porque não seria a Europa que viria até a mim. E por isso eu fui a Paris. Logo no primeiro dia, após cruzar com uma banda de jazz numa ponte, segui o curso do Sena (ou seria na direção contrária?), rumo ao centro da civilização. À minha esquerda, a Torre Eiffel assomava à distância, a princípio tão pequenina e discreta que me fez pensar: só isso? Quando me dei conta de que ia alcançá-la muito rápido, tomei outro caminho, rumo ao Jardim das Tuilleries, que desemboca na avenida Champs-Elysées. Sentindo-me chique só de pisar naquela rua, parei pra descansar e, quem eu vejo degustando um scargot, bebendo um pignot noir, elegante em seu tailleur, e despreocupada de tudo? Bia Falcão, há tempos foragida da Justiça brasileira, que conheci certa ocasião na casa de Antonieta.
Muito antipática, como era de se esperar, fingiu não me conhecer, mas eu fui insistente. Bia confessou que tem vivido como uma típica parisiense, em meio ao refinamento e ao glamour. Infelizmente, Mateus a trocara por outra mulher mais rica, que conheceram em um passeio no Bateau Mouche (não tinha afundado? e a Yara Amaral?). Ela disse que qualquer hora mandaria executá-lo, assim que conseguisse contato com o irmão gêmeo do falecido Medeeeiros, um que tem muita testosterona. Depois, displicentemente, pediu um café, pôs seu pince-nez e abriu o exemplar dominical do Le Monde, ignorando-me. Mais tarde, Bia me acompanhou até o Arco do Triunfo e indicou o caminho até a Torre, pois já ia se retirar, tinha um show pra assistir no Olympia naquela noite. Um carro parou e o chofeur veio abrir-lhe a porta.
Como aqueles belos prédios em art déco (ou seria art nouveau? sei que não tem comparação, mas nem o professor Aderbal Jurema me esclareceu isso) encobriam a Torre, não me dei conta da sua aproximação. De repente, ouço uma manifestação em espanhol. Ao me aproximar, eis que surgem, ao mesmo tempo, um grupo de bolivianos lutando pelos direitos humanos e agradecendo o presidente e companheiro Evo Morales (?!) e, ao fundo, a Torre Eiffel, em todo o seu esplendor. Em que continente eu estava mesmo? Nesse momento entendi por que Bia quis ir pra casa.
A Torre não é um objeto físico, é uma aparição. É onipresente. Em qualquer canto da cidade, quando menos se espera, ela surge, uma das mais belas construções humanas, e possivelmente o maior objeto fálico do planeta. Esses franceses...
Naquela noite, mesmo estando esgotado, acordei de madrugada para cumprir uma tradição de dez anos: ligar pra desejar feliz aniversário para A da Perninha, no horário exato em que ela nasceu. Nada tão surpreendente se, para respeitar o horário tradicional de 00:30h, horário brasileiro de verão, eu não tivesse que acordar às 03:30h, e ir pra um telefone público na rua, em Paris! Mas eu jamais perco a piada. Como ela mesma disse: “Mon Dieu!”
Esse dia, 21 de janeiro, poucos sabem, é o Dia Mundial da Religião. Sempre muito apegado às datas, busquei uma experiência espiritual, e fui ao lugar “donde que véve os mortos”, ou pelo menos ao local mais perto disso onde pretendo chegar: o cemitério de Père Lachaise, o lugar onde residem os espíritos mais intelectuais, finos e virtuoses do outro mundo: Bizet, Rossini, Chopin, Balzac, Fernand Braudel (aquele da Escola dos “Anais”), Augusto Comte (com uma plaquinha lembrando a conhecidíssima Igreja Positivista do Brasil), Saint Simon, Molière, La Fontaine, Jim Morrison (this is the end), Hahne Mann (o criador da homeopatia, sabiam disso? nem eu), Eugène Delacroix, Marcel Proust, Oscar Wilde (todo espontaneamente pichado pelos fãs, com uma plaquinha proibindo destruir o patrimônio!), Sarah Bernhardt (que fez participação no livro do Jô), o disputadíssimo e florido túmulo de Allan Kardec. Juro que passei mais de meia hora procurando Pierre Bourdieu, em homenagem ao meu amigo Pulguento, seu fã de longa data, mas não o encontrei. Mas quem exercia realmente um poder simbólico sobre mim e, claro, deixei por último, foi la môme Edith Piaf.
Não tive tempo pra conversar com eles, quem sabe numa próxima oportunidade, na companhia do Dr. Z. Mas saí de lá mais sábio. Completei o tour num outro dia, visitando o Panteão e os jazigos de Victor Hugo, Emile Zola, Alexandre Dumas, Voltaire, Rousseau, um punhado de revolucionários, e uma singela placa em homenagem ao Zé Perri, velho conhecido dos manezinhos, cujo corpo nunca foi encontrado.
Ainda naquele dia, fui do sagrado ao profano em poucos minutos de caminhada. Da Basílica de Sacré Cœur às ruas boêmias de Montmartre, onde passei por uma prostituta na esquina entregando o seu cartão (!), e parei pra contemplar o mais legal de todos os moinhos, e que não fica na Holanda: o Moulin Rouge. E viva o poder aquisitivo (que eu não tenho). Uma fila enorme pra show e jantar pela bagatela de € 145 (a opção mais barata).
Senti falta da Professora Daniela, minha companheira de aventuras, sempre em busca de uma experiência estética. E também de várias amigas faedianas, sempre em busca de uma igreja. Prestei-lhes uma homenagem assistindo a uma missa na Catedral de Notre-Dame. Foi a primeira vez que desejei a paz de Cristo em francês. Depois, penitenciei-me de meus pecados cometidos e por cometer, subindo os incontáveis degraus da torre da catedral. Ainda bem que o Corcunda era um personagem de ficção, não sei como o infeliz teria sobrevivido a uma vida daquelas.
Desci com sede de champagne e fome de brioches, que só satisfiz metaforicamente num outro dia. Depois de tomar um trem na direção errada, finalmente cheguei em Versailles, onde Luís XVI fez construir um palácio modesto, na medida das suas posses, e um puxadinho pra sua esposa fazer trabalhos de jardinagem ou ler à luz do abat-jour. Na verdade, o complexo de Versailles e seu jardim são de uma beleza indescritível, tanto que inspiraram os pais de Antonieta Marquesine a escolher o seu nome, nome de rainha, sofisticada, excêntrica e dada a algumas loucuras, que continuam inspirando seus discípulos, no caso, eu. Porque aprendi com ela que não é Montparnasse, nem a Sorbonne, nem tão pouco Versailles que virão até Florianópolis.
Eta eta eta! É a lua, é o Rei Sol, é a luz de Tieta!
Um comentário:
Ok, antes que alguém perceba: eu sei que o Rei Sol é o Luís XIV e não o Luís XVI, mas eu não podia perder a piada. Sabem como é: todo dia o mesmo dia, a vida tão tacanha...
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