quarta-feira, 7 de maio de 2008

Muito, muito além do arco-íris e da imaginação

Eu estava indo para Florianópolis, com destino ao casamento da Conciliação. Era outono. 2 de maio. Não estava um “sol” azul lindo. Primeiro, porque era noite. Segundo, porque chovia torrencialmente; os primeiros sinais do anunciado ciclone extra-tropical já nos alcançavam. Era água por todos os lados, o que me fez duvidar se eu estava num ônibus ou num submarino. Uma tormenta gigantesca. Doutor Z, meu amigo querido, estava comigo. De repente os ventos começaram a ficar cada vez mais fortes e eu disse: “Doutor Z, nós vamos voar.” Tudo começou a rodar, rodar, rodar, rodar... Nada mais me lembro.
Perdi momentaneamente os sentidos. Quando abri os olhos, o ônibus estava no olho do ciclone, as pessoas ao meu redor choravam, o povo chorava, entrava muita água por uma das janelas, que alguém quebrou usando aquela marreta vermelha, pensando em fugir. Não vi mais o Doutor Z, mas não me preocupei com sua integridade física, pois ele não é feito de matéria. Tudo continuava a rodar. De repente, uma risada maléfica ecoou, vinda de fora. Olhei pela minha janela, que ainda estava inteira, e vi a Bruxa Magoleste, irmã da Bruxa Má do Leste, que morreu esmagada, e da Bruxa Má do Oeste, aquela que derreteu. Mas ela não nos fez nada, porque estava realmente desorientada.
A força dos ventos acabou quebrando várias janelas e sugando muitos passageiros pra fora, eu entre eles. Fiquei lá, voando e rodando, sem ter onde me agarrar, até que vi uma figura já conhecida da mídia, tentando em vão controlar o seu meio de locomoção: o Padre Voador e seus lendários balões. Na hora não tive tempo de pensar no quanto eu era privilegiado de encontrar o desaparecido religioso, apenas me agarrei a ele, na esperança de que os balões nos dessem alguma estabilidade. Não sei por quanto tempo mais continuamos girando sem rumo. O fato é que fomos lançados pra fora do ciclone, indo pousar às margens de uma estrada de tijolos amarelos. O GPS do padre ainda funcionava, mas como ele não sabia usar, de nada adiantava. Resolvemos explorar o local até encontrar uma solução. Provavelmente o inteligente Homem-de-Lata seria o único capaz de nos ajudar, já que o Mágico não morava em Oz há muitos anos (dizem que cometeu umas falcatruas e foi parar numa prisão dos EUA).
Fomos alertados a não dar confiança pra bichona do Leão, que andava vendendo uns produtos na beira da estrada, sem alvará. Mas não teve jeito. Ele nos abordou, dizendo-se representante de vendas de Vivienne Westwood, e nos oferecendo sapatos de rubi confortabilíssimos, ideais para a longa caminhada por aquela estrada, e combinando com o dourado dos tijolos. Ele tinha também um novo modelo da Prada.
Olhei pra ele com uma cara de Miranda Priestley e falei que eu sabia que era tudo falsificado. Além do quê, a falecida Bruxa Má do Leste comprou o seu modelo exclusivo do designer europeu Stuart Weitzman, com 642 rubis, pela bagatela de 1,5 milhão de euros, na última viagem que fez à Europa. Pena que quase não teve oportunidade de usá-los, pois foi esmagada pela casa da Dorothy. A menina é que fez bom proveito. Será que a herdeira Liza Minelli já os vendeu em algum leilão?
Seguimos aquela estrada interminável, com a mesma paisagem imutável ao redor, que lembrava muito a estrada até São João del Rey, em Minas Gerais. Mas eu sabia que ali não havia nenhum dragão, no máximo aqueles macaquinhos alados que viraram uma praga em toda Oz desde que a bruxa derreteu e ninguém mais deu comida pra eles. Não tinha espantalho que os afugentasse.
Mas o pior era o papo do padre. Ele não era a Mônica, nem astrônomo, geólogo, oceanógrafo ou meteorologista, mas me contava coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar. E eu, que a essa altura já tinha largado totalmente o Lexotan, pensava na utilidade daquele adesivo: “sou feliz porque sou ateu”. E lá, muito além do arco-íris, nunca que eu encontraria a flor alucinógena, exemplar único em poder do Vértice, ou aquelas insuperáveis pílulas, pra me desligar dos problemas. Ou quem sabe o Leão não as contrabandeava também?
Saímos brevemente da estrada para admirar a paisagem no alto de uma colina. Nessa hora, iniciou um terremoto que, dizem, mas não acredito muito nisso, foi sentido em São Paulo. O padre desesperou-se e saltou, achando o ar mais seguro que a terra firme naquele momento, e me levou pelo braço. Esse gesto impensado acabou se revelando providencial, pois conseguimos alçar vôo, empurrados pelo bom e velho vento sul da bruxa boa Glinda.
Mas, sem termos como nos orientar, passaríamos pelos mais estranhos lugares, o que, para o aventureiro padre, era uma grande diversão: os Campos de Gabi, onde se respira poesia concreta; a Granja do Vidro Quebrado, povoada de répteis intelectuais; a Torre Gêmea, onde a Liga da Justiça prepara a luta contra os nefastos maçons; a Terra das Pessoas que Não Terminam as Frases; o Reino das Palavras; a República das Pessoas que Escrevem Assim; a Ilha das Maravilhas e suas não menos maravilhosas circunvizinhanças; o Fim dos Tempos. Não tive escolha a não ser acompanhá-lo.
Não há lugar como o lar.

Mamãe, os meus sapatinhos eram tão novinhos... foi o Charleston!

Nenhum comentário: