Décadas atrás, a cidade de Abalone, EUA, foi visitada pelo chinês conhecido como Dr. Lao, natural de Panohai, à época com 7.322 anos de idade, que, montado no asno de Apuleio, chegou carregando apenas um pequeno aquário, e da noite para o dia levantou um circo cheio de criaturas misteriosas. Uma das mais intrigantes era Apollonius de Tiana, vidente cego que só fala a verdade.
A viúva de Howard Cassan, moradora da cidade, mulher que à primeira vista já sabemos tratar-se de uma velha tola e fútil, chega ao circo e dirige-se diretamente à tenda do vidente. Paga o preço da consulta, cinco centavos, e senta-se em frente à Apollonius, sem perceber que ele é cego.
Sra. Cassan: Não hei de ficar, se o senhor me disser a verdade. O que desejo saber, antes de mais nada, é quando vai jorrar petróleo naquele meu alqueire no Novo México.
Apollonius: Nunca.
Sra. Cassan: Bem... então, quando vou me casar outra vez?
Apollonius: Nunca.
Sra. Cassan: Muito bem. Que espécie de homem vai surgir em minha vida?
Apollonius: Não haverá mais homens em sua vida.
Sra. Cassan: Bem, então do que me adianta viver, se não vou ficar rica, não vou me casar outra vez, nem vou conhecer novos homens?
Apollonius: Não sei. Só leio o futuro. Não o julgo.
Sra. Cassan: Bem, eu paguei. Leia meu futuro.
Leu então Apolônio de Tiana:
Apollonius: Amanhã será como ontem e depois de amanhã como anteontem. Vejo o resto dos seus dias como uma tediosa coleção de horas. A senhora não viajará a nenhum lugar. Não terá pensamentos novos. Não experimentará nenhuma nova paixão. Sua idade aumentará, mas não sua sabedoria. Crescerá seu formalismo, mas não sua dignidade. A senhora não tem mais a juventude. Daquela curiosa simplicidade que no passado atraiu alguns homens, nada resta, nem a senhora as poderá reconquistar. As pessoas lhe falarão ou visitarão por pena ou solidariedade. Não porque a senhora tenha qualquer coisa a lhes oferecer. Já viu uma velha haste de milho que amarelece e definha, mas se recusa a morrer, na qual alguns passarinhos pousam de vez em quando, quase sem notar sobre o que estão pousados? Isso é a senhora. Não consigo imaginar qual seja seu lugar na organização da vida. Uma coisa viva deveria criar ou destruir, segundo sua capacidade ou capricho, mas a senhora não faz uma coisa nem outra. Vive a sonhar com coisas bonitas que gostaria que lhe acontecessem, mas que nunca acontecem; e imagina vagamente por que as jovens vidas ao seu redor, às quais ocasionalmente censura por uma suposta impropriedade, nunca lhe dão ouvidos e parecem fugir à sua aproximação. Quando a senhora morrer, será sepultada e esquecida, somente isso. Os agentes funerários a fecharão num ataúde à prova de vermes, com o que lacrarão, para a própria eternidade, a argila da sua inutilidade. A julgar por todo o bem e todo o mal, toda a criação e toda a destruição que sua vida pudesse haver provocado, a senhora poderia perfeitamente jamais ter existido. Não vejo propósito em tal vida. Só vejo nela um desperdício chocante, vulgar.
A senhora Cassan, em lágrimas há muito tempo, começa a chorar amargamente e sai correndo da tenda. Lá fora, encontra Angela Benedict e recomenda que ela não vá se consultar com ele. Não que ele não seja bom, pelo contrário, disse-lhe coisas maravilhosas, que vai jorrar petróleo nas suas terras e que ela vai se casar com Stark, o homem mais rico da cidade. É porque ele não é muito gentil: deu-lhe alguns beliscões.
Apollonius de Tiana é uma pessoa boa.
(Encontrei o diálogo acima na internet, mas não bate com o texto do filme
As sete faces do Dr. Lao, que é um pouco mais curto. Suponho que seja o texto do livro The circus of Dr. Lao. A ação descrita é conforme o filme. Conferirei o texto correto e o transcreverei em breve.)
Amanhã será como ontem, e depois de amanhã como anteontem
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