quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A caravela amarela – 29 a 31/12/2007

LONDRES
Permitam-se discordar, em parte, de Woody Allen. Deus está morto, Marx está morto, mas eu... eu nunca me senti tão bem e com tanta disposição. Não sei se era obra do clima londrino, do protetor solar natural que era aquela película cinza nos céus, dos breakfasts caprichados ou dos efeitos duradouros daquelas substâncias consumidas antes da partida. O fato é que, após três dias batendo muita perna nas ruas e nos museus – a maioria gratuitos, para felicidade geral das nações em desenvolvimento -, acordei com preguiça. Fazer o quê? Ora, em Londres, faça como os londrinos: passe uma manhã ensolarada de sábado em Hampstead Park, um parque lindíssimo num bairro chique e afastado, com uma bela vista da cidade. Idéia do Claus, que não era o Papai Noel, meu primeiro amigo genuinamente europeu.
Valeu como uma ida ao campo, já que não saí da cidade em toda a minha estadia. Senhoras inglesas passeando com seus cachorros ingleses, caçadores de pipas (hein?), folhas secas e lama, muita lama. Mas lama inglesa é chique. Era uma vez um par de tênis brancos de um belga. O brasileiro aqui usava calçados mais apropriados - caminho inca serve pra quê, afinal? Para ser perfeito, só faltou a caça à raposa. A lazy day...
Depois de praticamente ter que atravessar todo o parque de volta pra achar uma estação de metrô, depois de sabe-se lá quantas baldeações, de nos perdermos mesmo cheios de mapas, de uma caminhada interminável morro acima, passando por um convidativo manicômio, chegamos relaxados, naquela tarde relaxante de sábado, ao Highgate Cemetery. Inevitavelmente lembrei do Doutor Z, que não pôde me acompanhar na viagem. Mesmo desencarnado, tem medo de avião... é uma figura!
Fiz vários amigos naquela tarde. Os fantasmas ingleses são, definitivamente, os espíritos mais educados e finos com quem já conversei. Sentados sobre as lápides cobertas de mato e musgo, muito orgulhosos da tranqüilidade do bairro em que moram, silencioso e sem violência(!), contaram várias anedotas e causos dos últimos séculos, que eu ria forçado, por nunca ter ouvido falar de ninguém. Ríamos discretamente, em respeito aos vivos. Chegaram a convidar-me para o chá das 5, que eu declinei educamente, alegando compromissos. Na verdade, eu fiquei com medo do cemitério fechar e eles me segurarem ali pra sempre. Eu hein, Rosa?! Uma típica tarde de sábado londrina, a lazy day...
Voltamos ao metrô e entendemos a razão daquelas vozes misteriosas. Uma turista oriental veio correndo pra entrar no vagão. A desgramada da japonesa não apenas quase ficou presa na porta como escorregou feio e quase que vai fazer companhia pros meus amigos. Por mais que avisem, nunca é suficiente. Mind the gap!
Como a idéia era a de um dia sem muitos esforços, não fizemos muita coisa mais, que eu resumo rapidamente: caminhada no centro, belga morrendo de frio (não era pra ser eu?), hostel, centro, jantar, hostel, banho (era Europa mas era sábado, faz favor!), balada, belga e brasileiro morrendo de frio (e o metrô de domingo não abria nunca), momento “I have to run” (por causa do frio), café da manhã antes de dormir. Nada além de um lazy day. Imaginem os dias de maior atividade. E depois perguntam por que eu emagreci tanto.
No último dia do ano fui ao Museu Britânico. Foi a primeira parte de uma espécie de trilogia passado-presente-futuro, ou presente-passado-presente, como prefere a Professora Alemã, que veio da Alemanha, ya. Múmias, estátuas sem nariz e sem pinto, quinquilharias, tudo roubado dos cinco cantos do mundo (ainda que ele seja redondo). Eles não respeitam os valores. Mal consegui ver a Pedra da Rosetta, com tanta gente em volta. Pra quem não puder ir a Londres, recomendo ir a Laguna, ver a poeira da Roseta. É o que não falta lá. Quer ver quando bate o nordeste... (A pessoa vai pra Europa e se entrega; tá na hora de enterrar o passado mesmo.)
Não percam o Show da Virada, logo depois do capítulo inédito de Duas Caras.


Marx está morto

Um comentário:

Anônimo disse...

Marco!!!
Isso parece até mini-série da Globo... a gente começa a "assistir" e não consegue parar... louco pra ver o que ainda vai acontecer... mas a melhor passagem foi a da "carta de Caminha"... vc é um mestre com as palavras... bjo!!
Ale.