quarta-feira, 4 de junho de 2008

Tem cuca?

Parágrafo. Letra maiúscula.
Manuelito, português louro, sem bigode e magricelo, homônimo daquele paranaense que cantava os versos “no Brega, no Brega, foi no Brega que eu conheci o meu amor...”, e sem nenhum parentesco com o dito cujo, franqueou-nos a entrada no Reino das Palavras, novo nome adotado após plebiscito pela população do antigo País da Gramática, visitado pela Marquesa de Rabicó nos anos 1930. Exultou de felicidade ao rever o velho amigo Professor Pasqualouro, como sou conhecido naquelas plagas.
Chegamos providencialmente à hora do chá, uma tradição em casa de Manuelito, que sempre recebe as visitas mais ilustres para saborear as delícias da língua mátria, entre um bolinho de chuva e um pedaço de cuca da Confeitaria e Panificadora Beludo. O curioso é que Manuelito, para manter a esbelteza, nunca toca na comida. Já lá estava a Sra. Weltzer, da linhagem dos Pieri Weltzer, cuja genealogia se confunde com a própria história do ocidente, de raízes portuguesas, italianas, africanas e saxãs. À parte, Emília, a Boneca Gente, que se mudara para as vizinhanças desde que o Sítio do Pica-pau Amarelo fora invadido pelos sem-terra, conversava com o Visconde, o sabugo de milho mais sabido do Meio-Oeste, colhido nos campos de Gabi. E assim iniciamos os colóquios.
Sra. Weltzer, ávida de novidades, logo monopolizou a minha atenção.
- Mas que alvissareiras notícias lingüísticas nos trazes, festejado Pasqualouro?
- Trago-te um punhado de neologismos, umas quantas expressões idiomáticas grafadas com a ortografia d'Angola, que foram objeto de altercações por ocasião da reforma, e propostas de renovação, como a incorporação oficial dos xingamentos em nagô, para que mandemos todos os nossos desafetos à tonga da mironga do kabuletê, e eles possam pesquisar nos dicionários o significado. Mas hei de segredar-te: há coisas aqui sobre as quais nem deveríamos aquilatar.
- Aproveita então para tirar-me uma dúvida. Na frase “foi nomeado para o mesmo pelo Excelentíssimo Governador do Estado 'há época'”. Este 'há época' é com 'h' por ser no sentido de existir ou não?
- Não, caríssima, o correto é “à época”. Não sei explicar-te a não ser com exemplos: “há épocas em que Vossa Senhoria insuporta o meu português camoniano”, mas “à época em que eu laborava na sua companhia, meus préstimos lingüísticos eram de grande valia”.
Enquanto nos entretínhamos com aquela discussão, de quando em vez eu dava uma olhadela na televisão, que naquele momento transmitia o meu talk show favorito, “Metendo o Pau com H. Brandão”. A lendária apresentadora conversava com a famosa empresária da noite Micaela Ferrer, recém-chegada de França (na verdade, uma proxeneta atuando há anos em Portugal, fato notório que a apresentadora estranhamente omitiu). Sempre interessada na causa da humanidade, Brandão procurava engajar a entrevistada em seus projetos sociais, especialmente para angariar fundos para as várias creches que mantinha.
Eu ia assim distraído, quando Emília, fazendo jus ao título lobatiano de Dadeira de Idéias, deu a idéia de levarmos as iguarias para o pasto, estendê-las numa toalha de Natal e transformarmos aquele evento formal num aprazível convescote. Mas o Visconde, que apesar de ser sabugo de milho também envelhecia, embora não à mesma razão que nós humanos, tagarelou a falar de reumatismos, bicos de papagaio, artrite e outros desconfortos da idade, hábito adquirido com dona Benta, cuja farinha era usada pra fazer os quitutes que todos degustávamos. Seria difícil sentar no chão com as costas arqueadas. Além disso, fazia calor e ele temia estourar e virar pipoca.
Retomei o assunto com a Sra. Weltzer.
- Esqueci de dizer-te: ei-lo respondido com a brevidade requerida. Não o disse. Faço-o agora. Contentaste-te?
- Mui agradecida! Com certeza, respondeste-me a contento.
Para o segundo bloco, H. Brandão anunciou a entrevista com uma sua Amiga Modelo, cujo nome não me recordo, em breve visita para um desfile beneficente, antes de retornar ao eixo Milão-Paris-Nova York-Tóquio. Isso me lembrou que também eu deveria tomar o rumo de casa. Aguardava apenas o Padre Voador que fora rezar na capela local para pedir ventos favoráveis.
Despedi-me de todos com ósculos e acenos, prometendo visitar-lhos em breve.
Nova linha. Parágrafo. Letra maiúscula.

Um comentário:

Leila Silva disse...

Marco,
Obrigada pelo link, já vou colocar o seu no meu blog.
Gostei muito da sua apresentação.
Abraço
Leila